20 julho 2013

PACIÊNCIA COM DEUS (2)

       
1. Dizem-me que Deus deveria mandar encerrar as suas agências de publicidade, pois onde mantêm o monopólio do mercado religioso, a sua invocação foi-se tornando um susto, uma ameaça; onde há liberdade religiosa, cada uma pretende ser a única com garantia sobrenatural, todas a fazer de conta que a divindade é sua propriedade privada e exclusiva.

S. Mateus, ao fazer uma imaginária avaliação do sentido da história humana, contou uma parábola que denuncia a cegueira religiosa: a relação mais realista com Deus acontece, sem se dar por ela, quando se vai, sem cálculo, sem expectativa de recompensa, em socorro de quem precisa, só e simplesmente porque precisa. Deus não é uma presença ostensiva. É uma clandestinidade imensa. É, de facto, necessária muita paciência para O reconhecer nos tempos, lugares e percursos humanos, pois acontece de forma imprevisível (Mt 25, 31-47).

Prometi, por isso, voltar ao celebrado livro, Paciência Com Deus, de Tomáš Halík, (Paulinas Editora). É um suave diluente das certezas eclesiásticas reconstruidas, de modo estridente, nos anos 80-90, com encíclicas, catecismos, direito canónico e drásticas medidas disciplinares. Recupera, com mansidão, a memória interdita dos “padres operários”, o sentido da teologia da libertação, os caminhos ocultos de Deus na sociedade secular ocidental, sem se perder nas disputas e desavenças entre “conservadores” e “progressistas”. Isso não significa, porém, que o seu ideal seja um certo “Cristianismo não eclesiástico - irreal, vago e desligado da história ou da sociedade - e, ainda menos, uma religiosidade enevoada e esotérica, estilo “New Age”. Procura, sobretudo, que a ideia ambígua do “crente padrão” não sirva para desclassificar os que procuram um caminho.

O tecido desta obra é construído por tudo o que tem sido desvalorizado, ocultado, marginalizado ou desfigurado na apologética eclesiástica e pelos “autoconvencidos da religião”. A sua companhia preferida é a dos místicos que viveram a noite da fé, mesmo na hora da morte, como Terezinha de Jesus e dos classificados como cépticos, agnósticos e ateus, todos os que encaram a vida como uma viagem ou têm dificuldade em viajar pelos tropeços que lhes lançaram para o caminho.

  2. O próprio autor manifesta as preocupações que o levaram a escrever. Conta que, certo dia, viu na parede da estação do metro, em Praga, a inscrição: “Jesus é a resposta”, provavelmente escrita por alguém no regresso de alguma fogosa reunião evangélica. Outra pessoa acrescentara, com toda a propriedade: ”Mas qual era a pergunta?”

Isto fez-lhe lembrar o comentário do filósofo Voegelin: para os cristãos o que mais conta não é terem as respostas certas, mas terem-se esquecido de qual era a pergunta, para a qual eles próprios eram a resposta. Há que confrontar perguntas e respostas para devolver um verdadeiro sentido às nossas afirmações. A verdade acontece ao longo do diálogo. Temos de passar de respostas aparentemente definitivas para infinitas interrogações. Ter fé significa passar para uma caminhada infindável, entrar para o coração do inesgotável mistério, poço sem fundo.

Com a sua teologia descontraída e a sua “piedade tímida”, não estará o autor da Paciência com Deus, a enfraquecer e a desmobilizar as ardentes campanhas lançadas com o rótulo de Nova Evangelização e de Jornadas Mundiais da Juventude? Certamente que não. O que realmente o preocupa é aquilo que essas campanhas são tentadas a ignorar ou a descuidar: o tempo de escuta e de atenção a quem anda por outros caminhos, por carreiros e lugares “mal frequentados”. O próprio Jesus já tinha sido acusado de andar em más companhias.

3. Concordo, diz Halík, com os ateus em muitas coisas, em quase tudo… excepto no que diz respeito à sua não crença de que Deus existe. Perante o bulício mercantil de artigos religiosos de todo o género, eu, com a minha fé cristã, por vezes, sinto-me mais próximo dos cépticos, dos ateus, dos agnósticos, críticos de religião. Com certo tipo de ateus partilho um sentimento de ausência de Deus no mundo. Contudo, considero a sua interpretação de tal sentimento demasiado precipitada, como que uma expressão de impaciência. Muitas vezes, também me sinto oprimido com o silêncio de Deus e pela sensação do afastamento divino. Percebo que a natureza ambivalente do mundo e dos inúmeros paradoxos da vida pode dar origem a expressões tais como “Deus morreu”, para explicar o facto do ocultamento de Deus. Consigo, apesar disso, encontrar outras interpretações possíveis da mesma experiência e outra atitude possível frente ao “Deus ausente”. Conheço três formas de paciência (mútua e internamente interligadas), para confrontar a ausência de Deus. São elas: a fé, a esperança e o amor. 

No entanto, se, para Halík, a paciência é aquilo que considera a principal diferença entre fé e ateísmo, não esquece que o ateísmo, o fundamentalismo religioso e o entusiamo por uma fé demasiado fácil, têm em comum a rapidez com que se abstraem do mistério ao qual chamamos Deus. Além disso, há tantos tipos de ateísmo como de fé. Eis a questão a que é preciso

Frei Bento Domingues, O.P.

14.07.2013

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