16 janeiro 2012

PÃO PARA A BOCA!

Em forma de comentário dialogado à porta da Capela do Rato, alguém dizia “Agora até parece que somos uma Igreja normal, já temos pedintes à saída da Missa!”. Resposta: “São os efeitos da crise!” Ao que o autor da constatação referiu: “Diria antes que é o efeito da abertura do supermercado aqui em frente!”
Perante os factos; pedintes à porta da capela esperando o fim de missa e o supermercado onde parte dos fiéis se reencontram depois da celebração, verifica-se que o cruzamento do “alimento espiritual” e do “alimento material” torna o local lisboeta particularmente atrativo ao domingo para quem se encontra na situação de pobreza extrema.
“Dar de comer a quem tem fome” parece ser uma obra de misericórdia evidente. Mas não é assim tão simples.
A Igreja e os cristãos de modo geral têm a clara noção de que é impossível virar a cara a uma pessoa que partilha connosco a mesma humanidade e por isso é um/a irmão/ã. As múltiplas ações de solidariedade e de partilha, de forma institucional mais ou menos permanente, nomeadamente pelas inúmeras IPSS que se dedicam à erradicação da pobreza ou a minorá-la, ou as várias iniciativas pontuais, são exemplos da concretização deste cuidado pelo outro.
O Banco Alimentar Contra a Fome (
www.bancoalimentar.pt/) é um caso de especial sucesso porque consegue mobilizar recursos humanos, materiais e institucionais a todos os níveis, de forma coerente e organizada, o que lhe permite fazer todos os dias “o milagre da multiplicação e da divisão do pão”.
Nos grupos das conferências vicentinas existentes ainda em algumas paróquias faz-se apoio direto para minorar o sofrimento dos que a sociedade marginalizou. Os centros sociais paroquiais fazem-no igualmente.
No entanto nunca é suficiente. Há que melhorar os métodos, inovar nos gestos e responder ao grito mudo de quem pede ajuda, ou está de tal modo à margem que nem o pode fazer.
No meio de uma crise económica que se agrava, não basta “dar o peixe” a quem tem fome, é preciso também “ensinar a pescar”, como afirma a sabedoria oriental.
A questão teórica do modelo económico em que vivemos neste mundo globalizado, deixou de ser um tema exclusivamente para especialistas em economia, ou para decisores políticos, para passar a ter uma relevância imediata em termos sociais para o comum dos cidadãos sejam estes cristãos ou não.
As “receitas” económicas e financeiras para resolver a crise não são neutras e são elas próprias geradoras
de maiores desigualdades ou pelo contrário capazes de fomentar uma menor injustiça na repartição dos recursos.
Há várias pessoas e grupos, particularmente a Comissão Nacional Justiça e Paz, (
www.cnjp.ecclesia.pt) que, não tendo ilusões sobre as implicações ideológicas dos modelos de solução possível para a crise, procuram analisar e compreender estes “sinais dos tempos” de forma a propor novas formas de lidar com os problemas económicos e sociais geradores e perpetuadores da pobreza.

Não compete à Igreja “meter-se na política” a este nível concreto e imediato, embora o património da doutrina social da Igreja seja abundante para iluminar a questão da justa repartição dos bens materiais. Vale a pena revisitar este legado que toca fundo na responsabilidade dos cristãos na sua relação com a Terra e com a humanidade que a habita.
Os cristãos têm pois que procurar encontrar os meios de, com gente de outras referências, de outros “pátios mais ou menos gentios” (praias, lojas, ou o que seja) serem o fermento da massa que devidamente levedada dará de comer a quem tem fome!
E isso passa por refletir sobre modelos económicos alternativos, tanto quanto por atos concretos portadores de respostas eficazes e imediatas às necessidades dos mais pobres.
É por isso que precisamos destas reflexões e gestos solidários, com propriedade e literalmente, “como de pão para a boca”!

AFF
15-01-2012

1 comentário:

  1. Pano para mangas... Boa 'entrada', sobretudo oportuna para questionar até que ponto os nossos espaços de igreja são mesmo «comunidades com pobres dentro» ou apenas grupos de gente 'preocupada' com os pobres? Pano para mangas.

    ResponderEliminar